Mas o samba sempre esteve presente em Brasília. A subsecretária de Difusão de Diversidade Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), Sol Montes, conta que, desde a construção de Brasília, as primeiras manifestações culturais foram desse gênero musical. “Há registros históricos de que o aniversário de JK (Juscelino Kubitschek) foi uma roda de samba. Muita gente veio do Rio de Janeiro para cá nessa época e o samba se espalhou pela cidade”, explica.
A subsecretária revela que, hoje, mais da metade das regiões administrativas tem rodas de samba que surgiram de maneira espontânea, a partir de um banquinho, improvisação e público reunido. De acordo com Sol, essa característica da democratização é o que difere o samba do rock. “O samba é popular. Ele surge em qualquer lugar. É acessível. O rock, além de precisar de uma estrutura maior para acontecer, veio mais das universidades, que, à época, nem todos tinham acesso”, acrescenta.
A efervescência do movimento é tão grande que a Secec está elaborando um mapeamento de todos os sambas de rua de Brasília. Além disso, a pasta investe em políticas públicas de incentivo aos eventos, com fomentos como o Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Neste ano, o governo destinou R$ 7 milhões para a organização do desfile de escolas de samba do DF, que não ocorre desde 2015.
Diferentes influências
Um dos grandes nomes do samba da cidade, a cantora Dhi Ribeiro diz que o brasiliense faz um samba diferente influenciado pelo estilo vindo com os pioneiros. “Quando Brasília foi criada, o samba veio junto. Temos bandas incríveis e escolas de samba com a idade da cidade. Sempre houve um movimento para manter esse ritmo, para que a memória do samba não se perdesse. Nosso sotaque é diferente, nosso jeito de tocar, porque temos sempre pessoas surgindo”, avalia. “O samba agoniza, mas não morre. Ele cresce todo dia”, complementa, parafraseando Nelson Sargento.
A capital abriga desde o samba raiz até ao samba mais moderno. A ascensão recente do estilo aconteceu graças ao sucesso de grupos como Menos é Mais e Samba Urgente, que abriram caminho para que o ritmo se espalhasse na cidade.
Márcio Marinho, Victor Angeleas e Augusto Berto são integrantes do Samba Urgente. Os músicos contam que se conheceram no Clube do Choro ainda adolescentes e sempre se reuniam para tocar. De acordo com o trio, a banda começou despretensiosamente. “Do nada um ligava para o outro e dizia: ‘ó, a gente tá precisando de um samba urgente. Bora se encontrar?’ Foi assim que surgiu o nome”, comenta Márcio, que também é um dos fundadores do Chorinho no Eixo, um projeto que leva o choro para o Eixão Norte aos domingos.
Para Augusto Berto, que teve contato com essa linguagem musical desde pequeno, quando ia ao Choro da Peixaria – que ocorria no final da Asa Norte -, Brasília se diferencia pela diversidade presente nos eventos de samba. “Hoje em dia, temos rodas de todos os tipos. Esse contato e essa cena são essenciais, quase um movimento. Todo mundo que toca choro olha para Brasília e vê a cidade respirando isso”, afirma. “Para a gente chegar nesse ponto tão forte é porque teve esse amadurecimento dos músicos. Para qualquer área, sem educação, você não tem nada”, completa.
Formação musical
Henrique Neto, diretor da Escola de Choro Raphael Rabello, explica que o trabalho de formação dos músicos de choro sempre foi dado em ambientes pequenos e particulares. Segundo ele, a escola começou a sistematizar o ensino e pensar em formas de aumentar o acesso das pessoas ao gênero.
“Eu acho que esse trabalho da escola e do Clube [do Choro] tem uma importância central. Quando eu comecei a tocar, mais ou menos nos anos 2000, era bem raro você ver jovens tocando choro. Era uma música considerada de pessoas mais velhas, tinha até um certo preconceito. E a partir do momento que o trabalho foi se consolidando, mais pessoas foram conhecendo. Aqui a gente é aberto, assim como o espírito da nossa cidade”, observa.
A Escola de Música, fundada em 1974, também tem grande influência nesse novo cenário brasiliense. Davson de Souza, diretor da escola desde 2020, explica que o motivo da transição do rock para o samba vai além da facilidade do movimento popular – já comentada pela subsecretária Sol Montes -, mas também pelo estilo das melodias.
“Brasília foi considerada a capital do rock na década de 1980, que teve seu estouro por questões políticas, já que o rock é, em sua natureza, questionador. Naquela época, as pessoas tendiam para um movimento só, contra algo em comum. Hoje o cenário político é mais dividido. O samba é um comentarista mais pertinente do cotidiano social, com uma pegada mais leve, humorística e irônica. Coisas que as pessoas fazem todo dia, independentemente da inclinação política e religiosa de cada um”, ressalta o diretor.
O espaço para os músicos tem se aberto em toda a cidade. Luiz Eduardo de Souza, mais conhecido como Dudu 7 Cordas, comenta que, quando chegou a Brasília, o choro era muito mais forte que a cena do samba, mas que hoje sente que está no mesmo patamar, o que considera uma ascensão boa. “Realmente a gente está num sentido de subida, acho que vai chegar muito mais longe”, observa o músico.
Presença feminina
Além do aumento das rodas de samba e de choro, também já é possível perceber novas tendências no cenário cultural brasiliense. Entre elas, a presença feminina nas rodas. “As mulheres têm tomado conta do samba. Se organizando em grupos e aparecendo muito mais nas rodas”, define a subsecretária Sol Montes.
Formada só por mulheres, Samba Flores é uma das bandas que têm ganhado força na cidade. Greice Lira, uma das integrantes, diz que o principal objetivo do grupo é ter um palco totalmente feminino. “Por nunca ter visto sucesso das mulheres nesse mundo musical, que sempre foi tão popular, nós insistimos em continuar. Diante do que temos vivido nos últimos anos, nossa parte feminina ganhou, por luta, um espaço maior”, comenta.
Juliane Costa, outra integrante do Samba Flores, concorda. “É sempre mostrando uma qualidade e que a nossa capacidade é igual. Antigamente, a mulher não participava de tantos ofícios, era muito difícil, acho que em todas as áreas. E no campo musical era bem escasso: ou era cantora ou não era nada. Hoje em dia a gente tem mulheres de todos os estilos ali”, conclui.